top of page
  • Foto do escritorLorena Vedovatto

A JUSTIÇA GRATUITA AO PRODUTOR RURAL E O (PRÉ) CONCEITO DO JUDICIÁRIO

Para aqueles que militam em defesa do produtor rural a concessão da gratuidade de justiça tem sido algo considerado inatingível. O termo produtor rural parece ter ganhado um sinônimo universal como “aquele que possui elevado poder econômico”. Prova disso é que a não concessão de justiça gratuita ao produtor rural já foi assunto de notícia no portal do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a análise em cunho sarcástico de que o produtor teria tentado “ludibriar” o Judiciário ao requerer o benefício da Justiça gratuita:

Fonte: http://www.tjmt.jus.br/noticias/33452, acessado em 25/09/2023.



O que vemos, como pontuado na reportagem, são grande parte das decisões apontando o valor dos contratos celebrados pelo produtor como respaldo ao indeferimento do pedido. Outras tantas indicando o tal “patrimônio vultuoso” como sendo incompatível com o pedido de Justiça gratuita. Eis que aqui encontramos o principal erro e motivo de grande parte desses produtores não conseguirem acesso ao Judiciário e acabarem “quebrando” na atividade. O resultado disso é catastrófico, execuções rurais ocupando o Judiciário por longos anos e até mesmo pedidos de recuperação judicial.


Vamos tomar como exemplo de análise as demandas de execuções rurais, mas antes, devemos relembrar a importância do financiamento para o Agro, tal importância se deve ao alto custo da atividade que envolve operações milionárias, para se ter ideia, o preço médio de custo por hectare no estado de Mato Grosso para a Safra de Soja 2023/2024 segundo o Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (IMEA) é previsto em R$ 5.756,58 por hectare. Fazendo uma conta rápida, um produtor rural que cultiva 500 hectares de terra, considerado pequeno para a realidade do Estado, vai precisar de em torno de 3 milhões de reais para alavancar a produção. O que se verifica é que estamos falando de uma atividade de alto grau de movimentação econômica, demandando altos investimentos tanto em insumos quanto em maquinários e implementos agrícolas, como tratores, pulverizadores, colheitadeiras, estes comumente adquiridos através de operações de empréstimos onde são pagos com o resultado da colheita.


Existe aí uma enorme confusão, a quantidade de bens pertencentes ao produtor rural não deve ser entendida automaticamente como condição econômica favorável ao pagamento das custas judiciais.

Assim, outro ponto que merece identificação é o fato desses produtores obterem receita somente a cada 5-6 meses que é o prazo para se colocar a semente na terra e perceber os frutos na colheita, coincidindo com essas datas os vencimentos das dívidas contraídas ao longo do período de cultivo.


Voltando ao exemplo daqueles produtores que sofrem algum tipo de execução rural e necessitam apresentar embargos, que é o meio de defesa mais comum nesse tipo de demanda, estamos falando na maioria dos casos de produtores que não conseguiram liquidar parcelas de um custeio ou de um investimento, por exemplo, perante uma Instituição Financeira e que chegaram a tal situação (serem executados) geralmente pelo fato de terem enfrentado uma quebra de safra onde não colheram aquilo que esperavam ou até mesmo uma situação de queda dos preços e dificuldades de comercialização de seus produtos, sendo comum quando da ocorrência de tais situações não se chegar sequer ao saldo suficiente para liquidar os custos de produção.


Eis que aí, esse produtor precisa se reerguer, precisa se defender de uma execução e nesse momento, no vermelho, encontra as portas do Judiciário fechadas. O patrimônio “vultuoso” por vezes está em garantia nas operações bancárias de investimento, vejamos o caso da reportagem:



Perceba a incongruência, o produtor rural do caso informou que o empréstimo não foi liquidado, ter pago 810 mil de um equipamento necessário à atividade e pago muitas vezes em parcelas anuais, não é atestado de suficiência financeira. Ao invés dos argumentos comumente utilizados para se negar a Justiça gratuita...E por que não analisar os motivos que levaram aquele produtor à inadimplência? o que esperaria o Judiciário? A venda desse patrimônio para que fosse possível o acesso à Justiça? Ainda que essa fosse a intenção não seria possível, vez que o bem certamente se encontrava em garantia ao cumprimento do contrato, dado em penhor, situação comum em contratos de empréstimo.


O que se espera é que nas circunstâncias de análise à (in) capacidade financeira em relação ao produtor rural leve-se em consideração não o patrimônio existente por vezes indispensável à atividade, tampouco o valor dos contratos celebrados, mas sim a liquidez atual daquele produtor que socorreu ao judiciário comprovando muitas vezes uma quebra de safra, uma crise de mercado. Considerar que o ciclo de aferição de rendimentos do produtor rural não é mensal. E aqui, não raras as vezes, em pedidos de Justiça gratuita negados, se concede um parcelamento de custas como se ali o magistrado estivesse sendo complacente à situação noticiada.


Na condição de percepção de rendimentos típica do produtor rural, dividir custas em parcelas mensais é o mesmo que a negativa de Justiça gratuita, não resolve em nada, lembra do ciclo de produção? Durante meses, esse produtor que não obteve nenhum lucro na safra passada estará preocupado em manter no mínimo as despesas de manutenção da família para que ao final desses penosos 6 meses de cultivo venha a encontrar uma luz no fim do túnel com o resultado da próxima colheita.

A realidade do produtor rural precisa ser desenhada, aquele que julga precisa entender como funciona a atividade, como funciona a dinâmica do Agro, cabe a nós operadores do direito fazer todo esse traçado, cabe a nós demostrarmos o contexto e o microssistema do produtor rural. Em primeiro lugar, deixando de temer o pedido de Justiça gratuita quando ele é realmente necessário, em segundo, sendo inconformados, vestir a camisa do Agro e ser voz desses produtores quando muitos não estão ouvindo.


28 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page